sexta-feira, 23 de novembro de 2012

estética do domínio

tornaram bonitas as barrigas inchadas dos meninos pretos,
as moscas vagueando pelas bocas dos famintos,
tornaram heróis quem lhes manda arroz à beira do prazo de validade,
quem usa na lapela um broche de caridade.

arrepiam-te os olhos esbugalhados da criança em sangue,
mas entorpece-te a habituação, toma-te uma certa vontade que se esgota
no anúncio do patrocinador do world press photo.

imunizam pela estética a revolta, volvendo-a piedade,
os ossos da miséria montam cadáveres pelos campos estéreis,
arrasados pelo napalm e fósforo da liberdade.

contemplação de um belo nascido do lodo que esconde
o que mais feio há na verdade.

que belo não é o choro, é o que o acaba.
não é a fome, mas o que alimenta.
belo não é o osso despido, mas a pele que o cobre,

belo não é carpir lamentações, é fazer revoluções.


6 comentários:

Maria disse...

Soberbo!
Tenho de o levar
;)

Maria João Brito de Sousa disse...

Sem palavras para o poema, que é belo... a mensagem, essa, é de uma realidade gritante, de um perigo que já nos habita tão insidiosamente que mal damos por ele... e arrepio-me, Miguel. Continuo a arrepiar-me...

António Gallobar - Ensaios Poéticos disse...

Um poema que é um grito, na modorra dos sentidos. Parabens gostei muito

Branca disse...

Muito bom este grito de revolta a incomodar as consciências instaladas.

Um abraço

EXPEDITO GONÇALVES DIAS disse...

Poema-denúncia que arrepia e comove. Este é o mundo a que chegamos. Resta-nos conviver com isso e aparar algumas rebarbas em tom de 'revolução' atirando pedras contra canhões...
Abraços!

Sérgio Ribeiro disse...

A estética do revolucionário contra a estética do império...
Ou uma estética contra uma máscara maquillada, horrenda ao querer ser bela.

Um enorme abraço