segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

sem título

aquelas tartarugas acabadas de sair do ovo e preparadas para a maratona das suas vidas. sabem onde está o mar e vão frenéticas em sua busca. das centenas de ovos e tartarugas, está cumprido o papel da natureza e o labor da mãe acaso alguma sobreviva ao ponto de chegar a cruzar os oceanos.

milhões de espermatozóides em meio inóspito, só um fecunda o óvulo e já é uma sorte.

milhões de humanos a procurar o oceano, o óvulo da alegria e da sua permanência. se um lá chegar, torcemos por ele. se foste tu, não desperdices.

domingo, 8 de dezembro de 2019

sem título

vem
anda acordar os vendavais
anda dar as mãos 
tirar os pés do chão num suspiro de amor
anda sentir a pressão sanguínea ou deixar flamejar de raiva os olhos
anda dizer a caronte que se foda
atirar para longe o óbulo 
e dizer vai buscar
já se faz tarde para sentir tudo
o sol já se pôs 
tarde para não sentir nada
a lua já se apagou
ainda mais tarde para querer tudo sem sentir nada
a era do Homem já começou

agora é acender estrelas por esse mundo afora
e pedir a alguém que escreva um hino daqueles de levantar gerações após gerações 
de chamas olímpicas 

anda girar o planeta no centro de um furacão 
e enlouquecer os marinheiros de todos os mares e oceanos
com um cântico negro
tatuar-lhes âncoras e faróis mesmo no coração 
ainda é só o começo
gritam perdidos no escuro
é, de facto, ainda só o começo. 



quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

sem título

não rodopiaste como nos filmes, mas houve alguma câmara lenta
os teus olhos semicerrados anunciavam o suor da noite se o abraço fosse acolhido
contaste-me a tua vida num jantar com vista para o tejo já anoitecido sob a sombra do adamastor
esperei na travessa vezes sem conta como quem espera as pétalas a cair no jardim imperial de tóquio
um buraco no peito uma alma cheia um beijo sempre nos lábios 
"o galo já não canta mais no canta galo..."
soava de manhã numa voz doce
e o café passado enchia as ruas todas da tua casa
escrevi-te uma carta mesmo à mão 
que seguiu pelo correio e não vi a tua cara quando a leste
mas fui feliz quando soube que chegara ao alto do bairro 
não andámos de bicicleta mas fiz uma viagem pelos andes 
e vi cholitas e vi o mapa da felicidade em manchinhas desenhadas no teu rosto
e vi o alto do atlas
e o açaí nas mãos dos putos trepando nas árvores
o meu coração nunca exercitou tanto 
não importa a trip, não importa a festa 
não importa o destino, mas a viagem
fui ao zêzere e voltei pelo rio abaixo numa laranja
esperei vezes sem conta na travessa
sentei nos canários em expectativa enquanto debulhava amendoins sagres e cigarros
assaltei fortificações que tinha cá dentro
e entrei nelas de mãos dadas
conheci-te e troquei um autoclismo em tua casa, despedi-me de ti e troquei um na nossa.

estranha estória que parece um retorno mas não é.

nem um minuto a menos, disso a certeza.

domingo, 24 de novembro de 2019

terça-feira, 19 de novembro de 2019

sábado, 2 de novembro de 2019

poerotismo

entrar em ti como uma inundação 
e ouvir o mais belo som do mundo
aquele de prender-se-te uma nuvem na garganta. 

sem título

o principal problema da verdade
é ser intransponível e sermos-lhe inescapáveis
é vir como um cometa daqueles que não são profecia
abater-se sobre o frágil corpo dos homens.
é assim uma música que nunca se esquece
da qual não sabemos se somos ouvintes ou acordes.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

o quarto estado

era preciso que chegasse alguém
arrombasse as portas
acendesse a luz
ou na escuridão riscasse um fósforo à moda antiga
alguém que viesse de chapéu ou boina ou fuzil
alguém que trouxesse vestidos os séculos num lenço ao pescoço
a aspereza dos condenados da terra nas mãos
e o sorriso das crianças ainda nos olhos
alguém que viesse a cantar em torno de uma fogueira
era preciso que chegasse alguém
que tivesse ardido numa pira
que tivesse sido executado amarrado ou de punho levantado
que fosse uma mulher de filho ao peito
ou de mão à ilharga
alguém que já tivesse pintado um quadro
ou que tivesse sido caçado como um escravo
por um cão no meio do algodão
alguém que já tivesse mesmo mesmo respirado
ar parado
era preciso que chegasse alguém
alguém que viesse na linha da frente de peito cheio
ou alguém que viesse atrás amedrontado,
mas que viesse.
era preciso que chegasse alguém
que derrubasse mentiras com os punhos
e construísse verdades com o olhar
que viesse na máquina do tempo
movida a energia nuclear ou a carvão.
era preciso que chegasse a voar
nas asas da rebelião.

era preciso que chegasse alguém
desses que todos os dias chegam
e desde sempre cá estão


sem título

se o caminho certo para chegar a algum lugar
implica andar com os pés assentes na terra
andar com a cabeça nas nuvens não é impeditivo
aliás
de quanto mais alto 
mais longe se avista.



sexta-feira, 30 de agosto de 2019

sem título

passou hoje um cometa
que afinal era um rio
ia por aí afora incandescente
como não veio na tv
não existiu
as suas labaredas queimaram todos os animais
as suas temperaturas explodiram todos os termómetros
as suas lágrimas emocionaram os crocodilos ou jacarés ou lá o que é
onças pintadas de todo o mundo uniram-se
e uns milhões de patacos apagaram  porra nenhuma
enquanto os cânticos mais antigos de trabalhar a terra lavaram a fuligem do fogo e o verdete da prata
dizendo ao mundo que até à árvore mais antiga
o rio domina.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

J.

nesse cavalo flamejante
todas as planícies do mundo
num segundo
que não acabasse nunca.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

sem título

disseram-me um dia que se alguma coisa levamos deste mundo
não me lembro mas era importante
na verdade, resta-nos a rua estreita
o amplo oceano sob o ar
as palavras dos mestres a soprar as velas
que nos movem vogando as cristas
do planeta que nos calhou na sorte
e os poemas dos outros
que encerram sempre o começo das estrelas
e o fim do mundo.

sexta-feira, 3 de maio de 2019

sábado, 27 de abril de 2019

sem título

vim aqui,
a este poema,
dizer-te que foi o maior privilégio
rodar a chave na porta da tua casa
e que cada cerveja contigo
era a última coca - cola do deserto.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

a escola

toda a vida andei numa escola
sem aulas práticas nem valiam a pena as teóricas
e os amigos
ah! os amigos que são de todas as idades
e que ensinam e aprendem como os melhores professores 
para eles inventámos um nome 
camarada
nome de quem partilha a arma e a munição
o sangue e o coração
a boca aberta num grito ou fechada se for o caso 
de ser o silêncio a salvação
pode dar-se a situação
se fores preso, camarada
que isto de democracia é bonito
mas nunca é certo nas mãos da burguesia
podem estalar no ar foguetes 
e celebrar-se até em galas e sessões solenes
a pompa da circunstância do momento 
que isso, aprendi, não faz da miséria abundância
senão em novela venezuelana
em que o sonho de silicone 
surge no sono dos que vêem televisão 
toda a vida fiz essa licenciatura 
em direitos humanos de verdade sem prémios à mistura 
nem nobeis nem sakharovs 
que é como quem diz areia pós olhos 
e os camaradas sempre atentos 
as camaradas sempre em guarda
na linha da frente de rosto levantado 
ameaçados e com medo de perder a vida
sabendo que se não forem camaradas
a já perderam
fazem a escola sem recreio 
sem receio 
opção revolucionária
de fazer sobre os escombros do que aprenderam 
aquilo com que sonharam
não, não é por dentro que se muda 
caso contrário, estamos fora.

domingo, 10 de fevereiro de 2019

uma rosa

esperei a queda de água de mil clepsidras
pelo teu cheiro
mantive-me à porta entreaberta dos planetas
sem saber das luas cheias
ou das florestas impossíveis
que do horizonte lançavam o azimute do futuro
para que os desnorteados seguissem seu rumo
esperei meia-vida do isótopo mais estável
pela cratera no meio do peito cheia de flores
e pelas pequenas galáxias espalhadas
um pouco por todos os lençóis
até que essa enchente derramasse sobre todas as peles
o toque de uma mão que não larga
que não desiste
que atravessa o vazio inteiro
do que já não nos separa.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

sem título

quero passar o próximo fim do mundo  no jardim
com as artérias de um a pulsar no corpo do outro
por dentro
e acordar no dia seguinte e não ser de um sonho.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

tempo mau para lirismos

já tantas vezes
é quase certo
te disseram
onde não há verdade
não há poesia
por isso nenhuma onda do mar é poesia
acaso não sejam verdadeiros tanto mar
como onda
nenhum amor em verso que não exista

por isso a revolução poética
é a menos romântica
é a que se faz.