sexta-feira, 26 de março de 2021

sem título

diz-me que já viste
na noite escura todas as constelações
que todos os primeiros beijos já foram dados
que dançaste tangos e sambas
sob o calor do trópico de capricórnio
e que viste aves de todas as cores no paraíso
diz-me com voz pequena
que já viveste tudo
e que já não esperas nada
a não ser fazer tudo pela primeira vez
de novo
comigo. 

leva-me

leva-me ao teu deserto
à tua floresta
ao teu recife
onde não importa que digam os astros
que faremos sempre o nosso destino
com as mãos

com a voz

com os sins com os nãos
que importa
a fúria do mar
se nos olhos de um gato não se pode morar.

sem título

o melhor disparo
é com a língua no gatilho. 

terça-feira, 23 de março de 2021

sem título

vou escrever este poema para ti.

leste-o? 

sem título

eu sei que de mãos dadas
podemos voar sobre a vastidão do deserto
e caminhar com passos de gigante
sobre muros e cordões policiais
fazer deflagrar chamas e revoltas
capazes de acordar milhões de escravos

eu sei 


nós somos a nossa era. 

domingo, 21 de março de 2021

vem

secretamente ter comigo
nem eu preciso saber
mas vem.

funda poesia

depois de o sol se pôr 
eu sei a noite 
que adivinha o dia 
depois de o coração bater 
eu sei o sangue 
e sinto entre artérias poesia

vinham dizer-me a toda a hora
que tenho hora marcada 
pela lua vazia 
acima de tudo pelas palavras 
de quem mas dizia

e foi preciso ouvir os mortos
saber quantos anos vivem 
lentamente
nas cascas das árvores 
para surfar em pequenas nuvens a maresia
e rebentar na espuma 
por onde a manhã se sumia
para poder ver aceso o tempo 
tempo rastilho 
tempo farol
tempo contado
tempo roubado 
a todo o tempo que nunca nos foi dado

fixaram-me dois dias
um para nascer, outro para morrer
e os outros, deram-mos
embrulhados na bruma
funda

funda fisga
que eu disparo

fecho um olho 
e aponto à cabeça de gigantes. 

sábado, 13 de março de 2021

cicatrizes

dissolvo na minha taça
gotas do teu veneno
(ou meu?) 
com o receio eterno de ter ficado contaminado
e de vir a ser obrigado
por imperativo moral
a tatuar no peito
do lado esquerdo
uma caveira e duas tíbias cruzadas. 

quarta-feira, 10 de março de 2021

sem título

só por entre o banal
se pode cultivar o sublime
sem contradições 
nem fariam falta os adjectivos

por exemplo

por só conseguir manter vivos cactos 
é que me deslumbram as orquídeas. 

domingo, 7 de março de 2021

quarta-feira, 3 de março de 2021

sem título

escolho a viagem
escolho a vertigem
atravessar a nuvem
a cinza a lava e a foligem
e cair inteiro na folhagem branca 
das ondas efeverscentes
escolho, se puder, a mensagem
e escrevo-ta em letras iridiscentes
sobre uma rocha negra

entre ir e ficar
escolho estar 
mas de passagem

escolho o olho
em vez da margem
a sede
em vez da miragem.