que deixes tudo quanto possas de ti na vida.
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
sem título
a poesia é um ribeiro límpido
laminar, ladeado pelo musgo verde dos bosques húmidos
e escuros de tranquilidade
ou um fogo cortante
lava incandescente no centro de um vulcão mortal
a poesia é uma mulher nua no meu quarto
enquanto as cortinas translucidas ondulam com a brisa da primavera
ou a solidão agreste e a garrafa de vinho abandonada
e o cigarro quase apagado fumegando pequenas nuvens
de tristeza
a poesia não é feita de versos.
sábado, 26 de outubro de 2013
a AC
temem-te os que temem a humanidade;
amam-te os humanos.
em vida, e no exemplo imortal que se projecta
como uma luz ao fundo da história.
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
do meu mundo
do meu mundo não se vê o teu.
do meu mundo levanta-se um muro de ignorância
uma trincheira de egoísmo
um vulcão de escuridão que se levanta pelo céu em furiosas nuvens
de enxofre.
do meu mundo não se vê o mundo dos outros,
separaram-nos em compartimentos estanques,
cubículos, cidades, números, corpos.
os mundos
dos outros,
são afinal iguais aos meus.
para eles, o outro sou eu.
do meu mundo levanta-se um muro de ignorância
uma trincheira de egoísmo
um vulcão de escuridão que se levanta pelo céu em furiosas nuvens
de enxofre.
do meu mundo não se vê o mundo dos outros,
separaram-nos em compartimentos estanques,
cubículos, cidades, números, corpos.
os mundos
dos outros,
são afinal iguais aos meus.
para eles, o outro sou eu.
quarta-feira, 24 de julho de 2013
- sem título -
que o mar se encha de pôr-de-sol,
e que das ondas flamejantes
os olhos se nos encandeiem.
pudessem os versos refulgir
e os teus olhos uniriam as pálpebras
à luz vermelha do astro.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
sem título
já não há que dizer,
já não pode bastar escrever.
escrito no sangue dos vivos
está o último fôlego dos mortos.
não há já gritos, nem punhos,
nem protestos, nem discursos,
há poder cativo, e urgente libertação.
não há já palavras que bastem nem vai haver.
só a poesia em movimento,
entrando como ar nos nossos pulmões,
derrubará o dique que represa a pressa de progresso,
incontível rio de sonhos antigos,
e só então nossas mãos se abrirão poderosas alvas asas.
já não pode bastar escrever.
escrito no sangue dos vivos
está o último fôlego dos mortos.
não há já gritos, nem punhos,
nem protestos, nem discursos,
há poder cativo, e urgente libertação.
não há já palavras que bastem nem vai haver.
só a poesia em movimento,
entrando como ar nos nossos pulmões,
derrubará o dique que represa a pressa de progresso,
incontível rio de sonhos antigos,
e só então nossas mãos se abrirão poderosas alvas asas.
sexta-feira, 24 de maio de 2013
poder (reedição)
à luz estranha das tochas decorativas do jardim, sob o ar denso do final das tardes de verão, com as encostas tímidas ainda insinuadas no fim da paisagem onde o sol se pôs, conversámos de pé.
fiz-lhe companhia naquela noite até ali, mas sabia que em breve ele teria de ir aqui e além apertar as mãos dos outros. os fatos escuros passeavam-se por ali, uns sós, outros acompanhados. os gordos encostavam-se a uma coluna ou a uma ombreira de porta – olhando o jardim desinteressados, bocejando o tédio cá para fora, desejando o sono lesto sob o calor húmido. geralmente acompanhados de suas senhoras, que tão bem decoravam o espaço, valha-nos deus com aquelas vestes absurdas de verde, de amarelo, de tantas cores, e aquelas jóias de outros tantos tons que nos passavam diante dos olhos sem que tivéssemos sequer tempo de lhes apreciar a beleza, tal a rapidez com que nos apercebíamos da fealdade do conjunto.
o jardim estava separado por um balcão de pedra esculpido em pilares polidos. Junto à casa, o chão de pedra dificultava os saltos das senhoras e lá em baixo, na relva prateada pelo luar, junto à pequena fonte de inspiração clássica, passeavam de copo em riste os outros que não se rendiam ao sono e ao tédio. por ali voavam palavras distantes dos assuntos do trabalho, pouco importava a situação económica do reino-unido ou as explorações de petróleo no médio-oriente. a situação política do continente asiático também se ficava no chão de pedra onde as senhoras custavam a equilibrar-se.
enquanto ele cumpriu o seu negócio, aproveitei a noite para raros momentos de ócio em tão belo jardim. longe do sol abrasador e das lanças do calor, aproveitei as escadas que desciam até à relva e o caminho escurecido pelas folhagens em arcada para fazer descair, ponderadamente e e com gesto bem cuidado e estudado, um pouco a alsa do ombro direito, anunciando o pescoço, onde descansava o fino e simples fio de prata. o copo seco foi atirado para cima de uma bandeja que passava, trocado por outro, com a dose de martini para desfazer o sabor dos chocolates horríveis que me tinham obrigado a comer, vindos sabe-se lá donde. e ali foi o copo vazio trocado por um cheio, para que se cumprisse o destino das coisas.
a lua brilhava forte, e o ar quente acolhia o seu brilho como num abraço, a relva parecia húmida de tanto luar. sobre a prata da relva e sob o clarão da lua, encostei-me à bancada da varanda, feliz. de ombros nus ao calor, um pouco turva e confusa de sentidos, de alcoól e de conversas alheias. sentia no pescoço aquela brisa de verão que por si só nos faz sorrir. outro se juntou, elegante, gravata escura, cigarro aceso, puxando um fumo calmo e sereno. trazia um e outro copo, cheios. passou-me um com uma boa noite aconchegante e vibrei. tirei apenas uma mão do balcão da varanda, para lhe receber o copo, agradecendo com um olhar nos olhos que se deslocou em aceno para o seu peito. as palavras de circunstância são nestas ocasiões absolutamente desprovidas de qualquer substância, como aliás, lhes costuma ser característico. por isso mesmo, me falou sem enfeites logo após perguntar o meu nome. em tons de sedução tão óbvios quanto motivantes e eu sentia-me o centro, o motor da sua vaidade.
o meu corpo aberto, sob um vestido de ofensiva e pecadora transparência, mostrava-se-lhe com impulso próprio. e eu que era apenas convidada como acompanhante... lá em cima a minha companhia, olhava pelo canto do olho a minha aventura descabida, despreocupado. senti o olhar e abandonei-me. o meu poder era infinito naquele momento. em mim se concentravam as belezas e as forças do mundo todo daquele momento daquelas vidas. e o poder de ser eu, de provocar despreocupação por amor profundo, de suscitar excitação por gozo puro... era esse o meu desígnio por minutos.
o próprio poder era eu. bastava-me querer que o rídiculo cobriria de negro aquele homem e nem uma ponta de vergonha o tocaria por isso. não era ele que me excitava, mas sim eu sobre ele. não era amor ali na bancada da varanda, era poder. e mesmo assim, apeteceu-me por instantes o abandono de tudo, entregar-me. encostar nu o peito ao peito forte de outro, dele ali tão perto e tão disponível, tão entregue e desprotegido.
perderia a noção de quem seria afinal o poder. porque o poder de seduzir está na capacidade de negar, mesmo que no último momento os sopros do prazer. a corporização reduz o poder ao mero desejo mortal, comum ensejo de homens e mulheres que não se amam. por isso mesmo, o olhar que diz sim é um corpo que diz não. é isso que me eleva onde nenhum orgasmo promíscuo me levará, porque é esse o meu poder.
os copos já vazios, sob a bancada, lá em baixo o rio ria-se de mim, sentia-me intimamente palpitar.
A conversa durou o tempo exacto para que ninguém desmotivasse, pelo contrário. Virei as costas com boas noites delicadas, um olhar demorado ainda o agarrou uns instantes enquanto me afastava. seguiu-me, e sem que soubesse, tremi e senti o terrível vazio do início de noite. Mas eis que dou os braços à minha companhia. Ao meu homem. E me vou.
fiz-lhe companhia naquela noite até ali, mas sabia que em breve ele teria de ir aqui e além apertar as mãos dos outros. os fatos escuros passeavam-se por ali, uns sós, outros acompanhados. os gordos encostavam-se a uma coluna ou a uma ombreira de porta – olhando o jardim desinteressados, bocejando o tédio cá para fora, desejando o sono lesto sob o calor húmido. geralmente acompanhados de suas senhoras, que tão bem decoravam o espaço, valha-nos deus com aquelas vestes absurdas de verde, de amarelo, de tantas cores, e aquelas jóias de outros tantos tons que nos passavam diante dos olhos sem que tivéssemos sequer tempo de lhes apreciar a beleza, tal a rapidez com que nos apercebíamos da fealdade do conjunto.
o jardim estava separado por um balcão de pedra esculpido em pilares polidos. Junto à casa, o chão de pedra dificultava os saltos das senhoras e lá em baixo, na relva prateada pelo luar, junto à pequena fonte de inspiração clássica, passeavam de copo em riste os outros que não se rendiam ao sono e ao tédio. por ali voavam palavras distantes dos assuntos do trabalho, pouco importava a situação económica do reino-unido ou as explorações de petróleo no médio-oriente. a situação política do continente asiático também se ficava no chão de pedra onde as senhoras custavam a equilibrar-se.
enquanto ele cumpriu o seu negócio, aproveitei a noite para raros momentos de ócio em tão belo jardim. longe do sol abrasador e das lanças do calor, aproveitei as escadas que desciam até à relva e o caminho escurecido pelas folhagens em arcada para fazer descair, ponderadamente e e com gesto bem cuidado e estudado, um pouco a alsa do ombro direito, anunciando o pescoço, onde descansava o fino e simples fio de prata. o copo seco foi atirado para cima de uma bandeja que passava, trocado por outro, com a dose de martini para desfazer o sabor dos chocolates horríveis que me tinham obrigado a comer, vindos sabe-se lá donde. e ali foi o copo vazio trocado por um cheio, para que se cumprisse o destino das coisas.
a lua brilhava forte, e o ar quente acolhia o seu brilho como num abraço, a relva parecia húmida de tanto luar. sobre a prata da relva e sob o clarão da lua, encostei-me à bancada da varanda, feliz. de ombros nus ao calor, um pouco turva e confusa de sentidos, de alcoól e de conversas alheias. sentia no pescoço aquela brisa de verão que por si só nos faz sorrir. outro se juntou, elegante, gravata escura, cigarro aceso, puxando um fumo calmo e sereno. trazia um e outro copo, cheios. passou-me um com uma boa noite aconchegante e vibrei. tirei apenas uma mão do balcão da varanda, para lhe receber o copo, agradecendo com um olhar nos olhos que se deslocou em aceno para o seu peito. as palavras de circunstância são nestas ocasiões absolutamente desprovidas de qualquer substância, como aliás, lhes costuma ser característico. por isso mesmo, me falou sem enfeites logo após perguntar o meu nome. em tons de sedução tão óbvios quanto motivantes e eu sentia-me o centro, o motor da sua vaidade.
o meu corpo aberto, sob um vestido de ofensiva e pecadora transparência, mostrava-se-lhe com impulso próprio. e eu que era apenas convidada como acompanhante... lá em cima a minha companhia, olhava pelo canto do olho a minha aventura descabida, despreocupado. senti o olhar e abandonei-me. o meu poder era infinito naquele momento. em mim se concentravam as belezas e as forças do mundo todo daquele momento daquelas vidas. e o poder de ser eu, de provocar despreocupação por amor profundo, de suscitar excitação por gozo puro... era esse o meu desígnio por minutos.
o próprio poder era eu. bastava-me querer que o rídiculo cobriria de negro aquele homem e nem uma ponta de vergonha o tocaria por isso. não era ele que me excitava, mas sim eu sobre ele. não era amor ali na bancada da varanda, era poder. e mesmo assim, apeteceu-me por instantes o abandono de tudo, entregar-me. encostar nu o peito ao peito forte de outro, dele ali tão perto e tão disponível, tão entregue e desprotegido.
perderia a noção de quem seria afinal o poder. porque o poder de seduzir está na capacidade de negar, mesmo que no último momento os sopros do prazer. a corporização reduz o poder ao mero desejo mortal, comum ensejo de homens e mulheres que não se amam. por isso mesmo, o olhar que diz sim é um corpo que diz não. é isso que me eleva onde nenhum orgasmo promíscuo me levará, porque é esse o meu poder.
os copos já vazios, sob a bancada, lá em baixo o rio ria-se de mim, sentia-me intimamente palpitar.
A conversa durou o tempo exacto para que ninguém desmotivasse, pelo contrário. Virei as costas com boas noites delicadas, um olhar demorado ainda o agarrou uns instantes enquanto me afastava. seguiu-me, e sem que soubesse, tremi e senti o terrível vazio do início de noite. Mas eis que dou os braços à minha companhia. Ao meu homem. E me vou.
quarta-feira, 24 de abril de 2013
Revolução
vinte e cinco
de abril
de mil novecentos e setenta e quatro,
o mais belo verso
que o meu povo escreveu
nas páginas da sua vida.
de abril
de mil novecentos e setenta e quatro,
o mais belo verso
que o meu povo escreveu
nas páginas da sua vida.
terça-feira, 23 de abril de 2013
sem horizontes
o horizonte é a linha a partir da qual não podemos ver o que para lá dela se situa.
todavia, a que mais nos seduz transpor.
mesmo que de lá a inexorável morte se anuncie, é lá então que quereremos morrer.
domingo, 21 de abril de 2013
sem título
tive de deixar os sapatos à porta
para entrar descalço
na minha vida.
agora sangram-me os pés,
tantos os vidros partidos pelo chão.
para entrar descalço
na minha vida.
agora sangram-me os pés,
tantos os vidros partidos pelo chão.
terça-feira, 9 de abril de 2013
- sem título -
nos dias de maresia
junto às muralhas
sentes no rosto o choro das ondas
em revolta
um pequeno frio
salpica-te a alma.
junto às muralhas
sentes no rosto o choro das ondas
em revolta
um pequeno frio
salpica-te a alma.
quarta-feira, 3 de abril de 2013
quinta-feira, 21 de março de 2013
- sem título -
o sopro que nos enche de novas moléculas
o sangue,
aquele orvalho que se eleva ao céu
no final das madrugadas,
poema.
e é os dias. todos. e as noites. todas.
assim possam os homens. todos. ter poesia.
o sangue,
aquele orvalho que se eleva ao céu
no final das madrugadas,
poema.
e é os dias. todos. e as noites. todas.
assim possam os homens. todos. ter poesia.
quarta-feira, 20 de março de 2013
vida de criminoso
criminoso és tu,
filho de quem jamais escreverá leis
nas assembleias-matilhas,
criminoso és tu que aos portões da fábrica
não deixas partir o que construíste
e enfrentas o escudo e a arma romba do cão-de-fila,
criminoso és tu que não vendes de borla o teu trabalho
e desafias o deus moderno
das santas bolsas e dos benditos mercados.
Cri mi no so!
gritam envoltas na chinchila morta as senhoras
gritam raivosos de charuto gordo os senhores,
ai que nos levam o que nos deram a ganhar,
ai! que nos levam a mansão feita de seus ossos,
ai que nos levam a herdade feita de sua carne,
ai! que nos levam a carteira feita de sua pele,
e o manjar de sangue dos nossos banquetes!
criminoso és tu que ousas cheirar
o esterco em que te enterram e dizer a toda a gente
que um dia ousarás escrever as leis
do povo, nas ruas e nas fábricas,
e que se cada linha dessas leis valer uma vida,
muitas são as dos criminosos prontos a dá-la.
filho de quem jamais escreverá leis
nas assembleias-matilhas,
criminoso és tu que aos portões da fábrica
não deixas partir o que construíste
e enfrentas o escudo e a arma romba do cão-de-fila,
criminoso és tu que não vendes de borla o teu trabalho
e desafias o deus moderno
das santas bolsas e dos benditos mercados.
Cri mi no so!
gritam envoltas na chinchila morta as senhoras
gritam raivosos de charuto gordo os senhores,
ai que nos levam o que nos deram a ganhar,
ai! que nos levam a mansão feita de seus ossos,
ai que nos levam a herdade feita de sua carne,
ai! que nos levam a carteira feita de sua pele,
e o manjar de sangue dos nossos banquetes!
criminoso és tu que ousas cheirar
o esterco em que te enterram e dizer a toda a gente
que um dia ousarás escrever as leis
do povo, nas ruas e nas fábricas,
e que se cada linha dessas leis valer uma vida,
muitas são as dos criminosos prontos a dá-la.
segunda-feira, 4 de março de 2013
uma falua
navega falua
tranquilas águas,
e corta com a proa pequenas ondas
de um estuário sem vento.
navega falua
rumo à foz.
e leva nas velas a nossa voz.
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
capitalista
eu sou vampiro e ando de dia,
não fujo da cruz e nela me refugio.
cobro juros sobre o sangue que te sorvo,
e assim mantenho a ninhada da aristocracia.
e assim mantenho a ninhada da aristocracia.
sexta-feira, 25 de janeiro de 2013
lei da dupla negação
a esperança nasce quando a esperança morre,
como a árvore que se nega para novos rebentos tomarem o seu chão,
longínquos sonhos são os que ficaram para trás,
pois hoje, amanhã é utopia.
como a árvore que se nega para novos rebentos tomarem o seu chão,
longínquos sonhos são os que ficaram para trás,
pois hoje, amanhã é utopia.
domingo, 13 de janeiro de 2013
quinta-feira, 10 de janeiro de 2013
ordem i
plácidos os rostos dos que sofrem,
com uma nuvem de fragilidade cobrindo os olhos,
são cordeiros mansos, folhas ao vento perdidas,
cabisbaixo ajoelha ao senhor, implora migalhas,
sorri ante a escada que nunca subirá.
estende a mão o porco, sacode a cinza do charuto
e lambe dos lábios o último trago do cognac,
o cheiro do ócio a coberto do negócio, tresanda
a uma decadência balofa, escondida sob contas bancárias
imperscrutáveis.
a terra é uma benesse, oremos ao patrão, sem ele não teríamos pão.
dizem-nos aqui rente ao chão, mas consta que se dirá o mesmo no céu.
esta é a ordem natural das coisas que deus traçou,
para os homens inteligentes tudo, para os tapados, nada.
eis que facilmente se explica a relação dos ricos com a inteligência
e dos pobres com a falta dela.
se ainda trabalhas para comer, incapaz foste e continuas a ser,
sorte a tua quem te acolha em imensa bondade.
de resto, não há mais quem destrua a escada da ilusão,
senão tu, cordeiro manso, leão audaz.
com uma nuvem de fragilidade cobrindo os olhos,
são cordeiros mansos, folhas ao vento perdidas,
cabisbaixo ajoelha ao senhor, implora migalhas,
sorri ante a escada que nunca subirá.
estende a mão o porco, sacode a cinza do charuto
e lambe dos lábios o último trago do cognac,
o cheiro do ócio a coberto do negócio, tresanda
a uma decadência balofa, escondida sob contas bancárias
imperscrutáveis.
a terra é uma benesse, oremos ao patrão, sem ele não teríamos pão.
dizem-nos aqui rente ao chão, mas consta que se dirá o mesmo no céu.
esta é a ordem natural das coisas que deus traçou,
para os homens inteligentes tudo, para os tapados, nada.
eis que facilmente se explica a relação dos ricos com a inteligência
e dos pobres com a falta dela.
se ainda trabalhas para comer, incapaz foste e continuas a ser,
sorte a tua quem te acolha em imensa bondade.
de resto, não há mais quem destrua a escada da ilusão,
senão tu, cordeiro manso, leão audaz.
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