segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

sem título

de tao doloridas
algumas tatuagens 
só podem ser removidas
com uma lâmina romba. 

terça-feira, 9 de novembro de 2021

aqui

à beira do mar
a gente pode não saber
em que embarcação vem a morte
mas sabe sempre 
que essa barca não se afunda. 

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

C.

este poema não é uma canção de amor
é uma bandeja de prata envelhecida com flores frescas antes de serem arrancadas
só para que o escritor ainda que ao longe
possa ver o teu sorriso barco à vela
em dia de vento cantante
vir por esse largo mar afora do viso à manteigada
trazendo uma canção por parir
há 500 noites em gestação
ao longe o escritor contemplará os barcos engalanados
a santa na proa
desse círio dos séculos
e deitará as cartas na mesa
tudo copas. 

terça-feira, 10 de agosto de 2021

sem título

pássaro azul
arqueei o peito ao céu
com os braços para trás 
e nele cresceu uma casa para ti
de porta sempre aberta
para quando fores voar
regressares se quiseres. 

sexta-feira, 30 de julho de 2021

ok

já toda a gente percebeu
que o melhor que podem fazer
os poetas
é morrer
em silêncio
só assim ecoam. 

sexta-feira, 16 de julho de 2021

sem título

não há maior escuridão do que a da sombra que os oceanos lançam sobre o seu fundo. 

terça-feira, 6 de julho de 2021

estou a ver que nem na planície deserta

onde estavas quando perguntei por ti

deram-me sempre a mesma resposta

não vi e um número de um hospital

obrigado

está tudo bem.

segunda-feira, 28 de junho de 2021

mind the gap

entre um chão pavimentado de eus
e um céu inteiro de nós
cabem mais palavras do que existem. 

domingo, 27 de junho de 2021

1g

deste-me 1g de tudo quanto me podia fazer suar e bombar a todas as artérias o sangue.

parece pouco. pois.

bastava um sopro. 

sexta-feira, 25 de junho de 2021

sem título

eu vim do fim do mundo
e o princípio do mundo agarrou-me por uma mão
quando eu estava prestes a cair. 

sexta-feira, 11 de junho de 2021

sem título

agora
sobem-me em cada respiração estrelas
à boca
que tinhas guardado dentro de mim. 

terça-feira, 4 de maio de 2021

tanto

quero ser a besta puxando o arado
que abre a tua terra
como a áspide nas garras do teu serpentário. 

quarta-feira, 28 de abril de 2021

sem título

não prometo nada
que te promete a árvore
que no sol a pique não te deixa sem sombra? 

sexta-feira, 23 de abril de 2021

arena

as flechas não matam os cobardes
tombam os audazes apesar da sorte
afinal de contas a vida é feita de contradições
e não havendo provérbio que nos valha

o futuro pertence a quem souber usar sem a amar a violência

imagina

nós todos libertos de tudo
só o passado a correr-nos no sangue

nós somos animais de grande porte
a quem já ditaram a morte.

quarta-feira, 21 de abril de 2021

sem título

já saber que existes
é um mistério 
como uma papoila sozinha
pintando um campo inteiro. 

sexta-feira, 9 de abril de 2021

sem título

as pessoas viram-nos de mãos dadas
enquanto nos floresciam na pele os jacarandás
num céu boreal
tão efémero
tão luminoso 
um batalhão de guerreiros de facas nos dentes
serenos na luta 
voamos 
e vencemos as águias 
as águas
e quem
à distância pudesse questionar que raios
todos.


sexta-feira, 26 de março de 2021

sem título

diz-me que já viste
na noite escura todas as constelações
que todos os primeiros beijos já foram dados
que dançaste tangos e sambas
sob o calor do trópico de capricórnio
e que viste aves de todas as cores no paraíso
diz-me com voz pequena
que já viveste tudo
e que já não esperas nada
a não ser fazer tudo pela primeira vez
de novo
comigo. 

leva-me

leva-me ao teu deserto
à tua floresta
ao teu recife
onde não importa que digam os astros
que faremos sempre o nosso destino
com as mãos

com a voz

com os sins com os nãos
que importa
a fúria do mar
se nos olhos de um gato não se pode morar.

sem título

o melhor disparo
é com a língua no gatilho. 

terça-feira, 23 de março de 2021

sem título

vou escrever este poema para ti.

leste-o? 

sem título

eu sei que de mãos dadas
podemos voar sobre a vastidão do deserto
e caminhar com passos de gigante
sobre muros e cordões policiais
fazer deflagrar chamas e revoltas
capazes de acordar milhões de escravos

eu sei 


nós somos a nossa era. 

domingo, 21 de março de 2021

vem

secretamente ter comigo
nem eu preciso saber
mas vem.

funda poesia

depois de o sol se pôr 
eu sei a noite 
que adivinha o dia 
depois de o coração bater 
eu sei o sangue 
e sinto entre artérias poesia

vinham dizer-me a toda a hora
que tenho hora marcada 
pela lua vazia 
acima de tudo pelas palavras 
de quem mas dizia

e foi preciso ouvir os mortos
saber quantos anos vivem 
lentamente
nas cascas das árvores 
para surfar em pequenas nuvens a maresia
e rebentar na espuma 
por onde a manhã se sumia
para poder ver aceso o tempo 
tempo rastilho 
tempo farol
tempo contado
tempo roubado 
a todo o tempo que nunca nos foi dado

fixaram-me dois dias
um para nascer, outro para morrer
e os outros, deram-mos
embrulhados na bruma
funda

funda fisga
que eu disparo

fecho um olho 
e aponto à cabeça de gigantes. 

sábado, 13 de março de 2021

cicatrizes

dissolvo na minha taça
gotas do teu veneno
(ou meu?) 
com o receio eterno de ter ficado contaminado
e de vir a ser obrigado
por imperativo moral
a tatuar no peito
do lado esquerdo
uma caveira e duas tíbias cruzadas. 

quarta-feira, 10 de março de 2021

sem título

só por entre o banal
se pode cultivar o sublime
sem contradições 
nem fariam falta os adjectivos

por exemplo

por só conseguir manter vivos cactos 
é que me deslumbram as orquídeas. 

domingo, 7 de março de 2021

quarta-feira, 3 de março de 2021

sem título

escolho a viagem
escolho a vertigem
atravessar a nuvem
a cinza a lava e a foligem
e cair inteiro na folhagem branca 
das ondas efeverscentes
escolho, se puder, a mensagem
e escrevo-ta em letras iridiscentes
sobre uma rocha negra

entre ir e ficar
escolho estar 
mas de passagem

escolho o olho
em vez da margem
a sede
em vez da miragem.

sábado, 13 de fevereiro de 2021

ruma deserta a embarcação
na bruma alvorescente
se a salvares em alto mar
reclama propriedade
leva salva-vidas
que esta nave não cavalga, navega
mas desafia a tripulação 
como um cavalo selvagem. 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

sem título

 já basta que nos apartemos

- amantes na estação, um na plataforma, outro subindo a carruagem - 

lentamente - como se desentrelaçam as mãos até à ponta dos dedos -

do calor em morte

se deixares secar o rio que te corre por dentro

é mais fácil que todos o atravessem

mas depois quem mergulharia ou 

juntava caudal à torrente?


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

um gajo cresce



quando era miúdo não conseguia descascar alcagoitas
com as mãos 

e agora quer transformar o mundo. 

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

sem título

aparelhar a alma
e zarpar
um sopro branco
a desaparecer no breu
de uma bruma marítima 
em busca dos lugares 
em que perdido 
um fósforo ainda arda. 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

sábado, 16 de janeiro de 2021

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

sem título

era impossível não olhar, fica sabendo
nem se tratava de querer
a espuma do mar a espraiar-se pela areia também não escolhe demorar-se
e no entanto não tem opção. 

a praia mais mar mais ar mais sol mais areal que conheci guardaste-a na tua pele. 

sábado, 9 de janeiro de 2021

sem título

não há poemas por encomenda
nem amor com hora marcada na agenda
nem sempre um encontro deixa de ser a soma de dois desencontros, 
mãos unidas na distância do tempo.