domingo, 14 de fevereiro de 2016

sem título

há morangos, maçãs e laranjas. era o que podia ler-se na tabuleta de madeira à beira da estrada. a poucos metros à frente, as mãos engelhadas do frio e curtidas pelo vento salgado dos anos contavam algumas moedas para fazer um troco. o cliente satisfeito já levava um belo saco de laranjas e sorria. claro que não faço ideia se foi assim a estória, mas é o que dá gosto depreender pela tabuleta de madeira.

sei que as margens do Mondego foram vencidas pelo volume e pela torrente e que acabaram por ceder. ao viajar por entre o vale da livraria, o rio serpenteava em sentido contrário e nunca o tinha visto tão alto ou tão revolto. um rio revolto é sempre inspirador. e aqueles peixes que pensavam sossegar e permitir que o frio lhes petrificasse as preocupações eis que dão por si a ter de sair da letargia do gelo e a esbracejar para vencer os remoinhos. alguns cansaram-se e sucumbiram. outros não. já dos que ficaram a ver, como a nêspera, não reza a história. também não tenho a certeza de que tenha sido exactamente assim, mas é o que dá ter este gosto pelo impressionismo: uma pessoa vê um rio revolto e fica com a impressão de que há lá sempre mais qualquer coisa. claro que se podia sempre dizer "prateado o céu plúmbeo, escondia a cor barrenta do rio que, agitado, o reflectia" e pronto. mas é também o desafio das impressões, ver para além delas.

é por isso que posso escrever "o teu beijo pousou leve no meu peito" e saber que a verdade escreve assim: "o meu coração pulsa o sangue da tua alma."

1 comentário:

Maria disse...

Tão belo!
Tão imensamente suave, porque revolto é só o rio.