domingo, 3 de dezembro de 2017
m.a.r.
é que as estrelas são úteis
e a navegação tolera a vaga
que já não esconde o horizonte
que importa o horizonte
no mar quando não há terra.
quarta-feira, 29 de novembro de 2017
sem título
de quantas casas
pintaste o teu nome com o sangue de quem lá mora
em quantas muralhas
abriste a fenda da derrota
quantos milhares de gotas de chuva
morreram às tuas mãos
por teres a garganta seca
por ires por essa noite afora
na treva unida e límpida
de archote aceso ao vento
ofegante e ligeiro com os pés descalços
pelo ladrilho molhado
como quem grita ao mundo
que está aqui.
domingo, 26 de novembro de 2017
casa
para não dar pela chegada
que é como quem acaba por não dar pela saída
nem os cães ladram nem a caravana passa
e as labaredas do sossego descem pelas paredes
como um aconchego
que banalidade essa a da casa
do lar
onde miam todos os gatos que importam no mundo
e encaixam as almas nos corpos
para por fim meditarem as virtudes e os pecados de mãos dadas
caminhando pelo álamo da consciência
e seguirem sem deslizar para as bermas
em que rastejam os animais que vivem de solidão.
sábado, 25 de novembro de 2017
sem título
quarta-feira, 22 de novembro de 2017
cifra
sabendo o que se lerá no teu epitáfio
depois de beber-te do crânio nu o sangue vivo.
segunda-feira, 20 de novembro de 2017
a luz é um lugar sombrio
das portas que ninguém quer abrir
principalmente eu
nunca pensei que o escuro tivesse um som tão duro
tão rombo
como terra se abatesse sobre o corpo
na ponta de uma pá
segura nas minhas próprias mãos
sempre necrófago devorei corações mortos
agora em recuperação
habituo-me a custo
a corações ressuscitados.
a luz habita a voz da escuridão
e vice-versa.
sábado, 18 de novembro de 2017
pensamento sobre o estado da arte
sexta-feira, 17 de novembro de 2017
sem título
apesar de não teres partido
esta é a última viagem
dos amantes perdidos
pode durar para sempre
nunca navegará duas vezes a mesma onda.
sem título
é mais solitária na multidão
a mão estendida do homem ao abandono
o dia espalha-se mais luminoso entre árvores despidas.
quinta-feira, 16 de novembro de 2017
sem título
à beira do planeta
não é azul
afinal
é transparente.
daqui vemos os mares
e os continentes
cumprindo historicamente
o desígnio de conter
e nós alados
jamais nos permitiríamos
correr atrás da nossa cauda
às voltas num astro redondo.
sábado, 4 de novembro de 2017
sem título
quando a mão se nos estende
as polpas dos dedos são raízes para as galáxias
cabo que amarra ao ferro
no fundo do mar
iça do meio do peito
a alma segura
pelo estai dos desgraçados
que nunca desistem
de ser cais
da mais deserta embarcação.
quarta-feira, 1 de novembro de 2017
sem título
quando o amor se separa da carne
e o corpo exangue teima em não sucumbir.
segunda-feira, 30 de outubro de 2017
pagão
humores semente
não é asséptico o clamor
da nossa beleza
porque isto de nascer de um ventre
de pele sanguínea
é sempre
um ardor que permanece
tanto nas asas
como no útero
dessa massa lama
se faz gente
que cavalga o mar
sobre o dorso dos monstros marinhos
e sobrevive a si própria
com amor
e nojo
deus, nosso pai, fez-nos à sua imagem.
felizmente saímos à mãe.
domingo, 29 de outubro de 2017
quarta-feira, 25 de outubro de 2017
sem título
à mesa com jesus cristo
trazia um ar cansado
e eu espantado
depois disse-me que aquilo de transformar a água em vinho
era um truque de ilusionismo
e eu pensei
estamos fodidos.
quinta-feira, 19 de outubro de 2017
sem título
domingo, 15 de outubro de 2017
sábado, 14 de outubro de 2017
argonautas
terça-feira, 10 de outubro de 2017
sem título
eis que faltam os motivos
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
domingo, 1 de outubro de 2017
cidade
a céu aberto
por onde escorre a sujidade
própria do amor
e o rio lambe os milénios
que guardamos nas casas dos nossos avós
enquanto esconde a bruma os falsos sorrisos
e se exaltam pela salsugem as rugas batidas pelo mar
esta taifa é livre nos corações livres
é um grito de Rebelo
um silvo de flecha no silêncio
uma trincheira de rebeldes
e só quem a ama a pode odiar.
quinta-feira, 14 de setembro de 2017
praia
a praia é tanto princípio como fim
descalço na espuma pequena
o equador do tempo
revolve sempre os mesmos seixos.
terça-feira, 22 de agosto de 2017
cenotáfio
domingo, 23 de julho de 2017
sem título
quando ouço as conversas
já quase ninguém lembra o teu nome
e eu penso
isso não faz sentido
porque como pode alguém esquecer
o nome da única flor que sobrevive ao inverno
nem a extinção da humanidade
nem uma nuvem que envolva o globo
ou a acidificação dos oceanos todos
pode tornar sequer compreensível
que se suma o teu nome de todas as palavras.
quarta-feira, 19 de julho de 2017
relógio
todos os dias uma lua cheia
todos os dias cento e doze marés
vinte e oito pores-do-sol
cinquenta e seis voltas do ponteiro das horas
dois milhões de batimentos cardíacos
e todas as lagartas do mundo a sair do casulo de asas abertas porque as células imaginais ganharam todas as batalhas travadas.
segunda-feira, 17 de julho de 2017
praia convento
a flat earth society ignora os princípios da física.
por mais voltas que dê, vou dar sempre a ti.
quarta-feira, 12 de julho de 2017
gente-nada
abandonem o tempo
para não restar
no que comes,
vestígio das mãos sujas
e quando não chega o tempo
a escola ensina quão moderno
é o mundo da internet
e as televisões apagam a luz
para adormeceres acordado
e das crianças-nada
escravos-nada
homens-nada
mulheres-nada
já ninguém se pergunta
a não ser essa galáxia de gente-nada
que é a maioria.
domingo, 9 de julho de 2017
headline
desmontada rede de crime organizado
dezenas de líderes políticos e religiosos
presentes a tribunal por falsificação de esperanças.
terça-feira, 4 de julho de 2017
inconquistável
naus fragatas e galés
todos os homens e munições
usa toda a força
e a coragem de derramar nas minhas praias todo o teu sangue
se queres conquistar-me a américa indígena.
quarta-feira, 21 de junho de 2017
solstício
ao contrário dos que vivem as horas
independentemente da época
umas sobre as outras sem distinção
uma noite curta
um dia não tão longo quanto a translacção do planeta parecia permitir
traídos por uma precessão própria quem sabe
isto de a terra ter dois pólos acaba por influenciar os nativos de todos os signos
poemas madrugadas
poemas meia noite
e tanto o sorriso se esvai em lágrimas
como os pulsos latejam sangue
pressuroso para escorrer sob as unhas dos que
sem saber da estrela polar
se desorientam por mais que gritem ao vento
tivemos um solstício curto
disso nada sabem os sãos
para quem os dias e as noites
e as horas e os minutos têm todos, uns atrás dos outros, para sempre, o mesmo comprimento
de uma cobra que se alimenta da cauda sem princípio nem fim
que começa e acaba no espectro do audível
na vibração perceptível
de todas as partículas
menos as de si próprios
que passaram a barreira do som
e já só os gatos as ouvem
tivemos as mãos atadas
por uma guita fina
chamada vontade
ou falta dela
tivemos as mãos libertas
por uma faca romba
do mesmo nome
ou falta dele.
eu nunca serei o cheiro da chuva no chão
porque não cheguei a nuvem
eu nunca serei foz
porque me afoguei na nascente.
quinta-feira, 18 de maio de 2017
sexta-feira, 5 de maio de 2017
sem título
muitos gatos
ao redor do eclipse
e uma chama ondulando numa bandeira
à beira do mar
nas mãos de uma criança de olhos vadios
joelhos rotos
e ganas de comandar um exército
capaz de marchar sobre as ondas
em noites de vendaval
guerreiros que nos resgatam
dos túmulos onde morremos.
sexta-feira, 17 de março de 2017
sem título
na ressaca deste chuto nas veias do infinito
resta-me um último cigarro
a que puxarei lume
com a ponta do cérebro que me resta
ainda acesa.
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017
sem título
não estamos tão distantes das árvores
não é o tronco que nos faz firmes
mas as raízes.
domingo, 19 de fevereiro de 2017
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017
sem título
que percorri numa nave de destroços
até chegar a este estuário
porque a água procura sempre o ponto mais baixo
e lavra sobre a terra vales
com a força de parir mundos
como só as artesãs.
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017
viagens
no ângulo agudo debruçado sobre o ocidente
e capella ainda chifrada no zénite
quando os cânticos da noite me trouxeram
as letras para este verso:
o granito
se eu fosse uma rocha seria plutónica.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2017
sem título
quinta-feira, 12 de janeiro de 2017
sem título
merecem uma baía
no refúgio de uma encosta a sul
onde tu sejas a enorme montanha
e o poderoso quebra-mar.
quarta-feira, 4 de janeiro de 2017
sem título
segunda-feira, 2 de janeiro de 2017
aço
tem por combustível as almas
o seu vapor é sanguíneo
conquistado do suor
os caminhos são de ferro
e é com carvão que se tempera o aço.