era preciso que chegasse alguém
arrombasse as portas
acendesse a luz
ou na escuridão riscasse um fósforo à moda antiga
alguém que viesse de chapéu ou boina ou fuzil
alguém que trouxesse vestidos os séculos num lenço ao pescoço
a aspereza dos condenados da terra nas mãos
e o sorriso das crianças ainda nos olhos
alguém que viesse a cantar em torno de uma fogueira
era preciso que chegasse alguém
que tivesse ardido numa pira
que tivesse sido executado amarrado ou de punho levantado
que fosse uma mulher de filho ao peito
ou de mão à ilharga
alguém que já tivesse pintado um quadro
ou que tivesse sido caçado como um escravo
por um cão no meio do algodão
alguém que já tivesse mesmo mesmo respirado
ar parado
era preciso que chegasse alguém
alguém que viesse na linha da frente de peito cheio
ou alguém que viesse atrás amedrontado,
mas que viesse.
era preciso que chegasse alguém
que derrubasse mentiras com os punhos
e construísse verdades com o olhar
que viesse na máquina do tempo
movida a energia nuclear ou a carvão.
era preciso que chegasse a voar
nas asas da rebelião.
era preciso que chegasse alguém
desses que todos os dias chegam
e desde sempre cá estão
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