segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

sem título

acaso vire do avesso o mundo

pela janela do meu quarto

ficam as ruas, avenidas, oceanos, desertos e florestas cá dentro

uma cama e duas sóbrias bancas de cabeceira lá fora

e tudo

estranhamente 

na mesma.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

sem título

aquele dia que passou e eu não vi

e o que não passou mas eu vivi

aos olhares dos outros somos sempre outra gente

que aquela que a gente sente

tudo é diferente 

sempre nos compreendemos pior

do que os que nos compreendem melhor


por eu não ter ainda comido castanhas 

não quer dizer que não tenha já começado o outono. 


quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

sem título

rega de lava o meu silêncio 

derrama o sangue da terra

sobre o cadáver em posição fetal

sobre esse sossego final

quem sabe não restará uma escultura vesuviana


no epitáfio há-de ler-se

morreu mais um. 

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

sem título

se cheguei ao lugar certo

terá sido acaso

por favor

se souberem a quem furtei o destino

avisem. 

segunda-feira, 30 de maio de 2022

sem título

a inocência diz que não há nada melhor que os pássaros
mas eu tenho medo de ser um
que o teu gato me arranque a cabeça
e deposite à tua porta o meu cadáver
como presente.

segunda-feira, 18 de abril de 2022

sem título

consagra-me à pele apenas uma labareda do teu tempo e uma uva dos teus lábios

sigo o escuro para ver com os dedos o que não vejo à luz 

basta essa fome precipitada de manhãs a nascer-te no rosto

e morrer em golfadas de vida
a respirar milhões acelerados está bom.


sábado, 9 de abril de 2022

por acaso

nada quero além de parar de largar este ferrado
que turva os éteres e as respirações
para que possa silencioso escapar por entre as delicadas cordas de mil harpas,
eu próprio ver o caminho
e aprender a tocar.