quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

hegemonia

vieram os lobos
esta é uma noite fria.
depois de a voz se ouvir
como um punho
que podia destruir com a verdade
todas as correntes e cadeias,
não sobreviveu um grito
de testemunho nos manuais escolares.
nas voz dos homens uivam os lobos
que, infelizmente, também são homens.
a pele nua contudo é perene.
irrompe o sol de onde sempre nasce
aquecerá os campos e as cidades
não voltam os lobos a uivar
na voz dos homens.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

sem título

viemos sabemos do horizonte
um som desenhado no vazio
uma molécula de infinito
que se acendeu
uma fracção de matéria que se apropriou
da consciência sobre si mesma
um fio de presente
uma árvore de raízes enfiadas no passado
criança de braços estendidos ao futuro
uma ave antes de ter nome

não retornamos ao nascer do sol
apesar da madrugada

a origem é cada ponto da pele
onde as agulhas do tempo se espetam
gravando minutos numa tinta espessa
até que a casca nos envolva como a um sobro
e o horizonte nos tome em contra-luz no poente

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

ars moriendi

das nuvens
dos raios de sol que chovem
das ondas do som que nos agita
nos perpassam como
varas rombas
dos cheiros
e das flores mortas
dos buracos escuros
e copos vazios
dos troncos robustos
do carvalho
do olhar dos homens perdidos
das mulheres amigas
do significado das letras
das palavras
das figuras
das sombras
das luzes
de cada braço da respiração
que nos arqueia
de cada flecha que suspiramos
em direcção ao vazio
que enche os peitos dos outros
e os outros somos nós
para os outros
do mundo
e das folhas avermelhadas do outono
que ano após ano se abate sobre
o nosso dorso já cansado
do tamanho
do volume
do abismo
do tempo
da fugacidade
da areia ser uma forma de luz
e os corpos nus uma recordação
do paraíso
e da impossibilidade de conter nos livros a velocidade.

e da aceitação.
do abraço.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

cosmos

é indiferente existirem fronteiras entre pessoas
ou pessoas entre fronteiras
o limiar divide nada
nem da terra aparta o céu o mar o voo das aves
ou os fluídos seminais
que na osmose constante fundem
todos os corpos
na fecundidade do pensamento
na afinal totalidade que as estrelas trazem no bojo
a que demos o nome de humanidade.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

fogo e mar

todos os dias são nevoeiro
e ao fundo um navio
sobre águas escondidas
sob o espesso branco.
na lonjura dilui-se no horizonte
a esparsa luz.
albatroz a maior envergadura das aves marítimas
e do reino animal maior agoiro.
todo o mar é nosso.
não. todos somos do mar.

foi sob o céu negro que a história ardeu
sobre as águas tranquilas da baía.